Tome nota dos conselhos de Margarida Lavinha Costa, Psicóloga Clínica no Hospital CUF Infante Santo.
Considerada uma perturbação neurodesenvolvimental, o Síndrome de
Asperger (SA) é caracterizado por um comportamento tendencialmente
solitário, associado a dificuldades significativas na interação social,
menor flexibilidade de pensamento e dificuldades na comunicação
não-verbal, além de padrões de comportamentos repetitivos e interesses
restritos. A sua génese está associada a uma disfunção do “cérebro
social” que inclui várias localizações e estruturas afetadas.
Apesar de poder ser considerada uma doença do espectro do autismo,
diferencia-se deste em dois principais aspetos: tipicamente não há
atraso de desenvolvimento da linguagem e as capacidades intelectuais
mantêm-se na média ou acima.
Enquanto condição contínua e presente ao longo da vida, levanta desafios
importantes de funcionamento pessoal e ocupacional, não se constituindo
apenas como uma experiência da infância, tendendo a persistir na idade
adulta. Embora tenham crescido a experienciar o mundo de uma forma
diferente dos seus pares, os sinais muitas vezes só aparecem no adulto,
quando as exigências requerem competências sociais e emocionais mais
sofisticadas ou nos casos em que os sintomas na infância foram moderados
o suficiente, para permanecerem despercebidos pelos cuidadores e
profissionais.
Como funciona o pensamento de alguém com esta síndrome?
As suas prioridades, a perceção do mundo e a forma de pensar são
diferentes. Tipicamente, podem priorizar a busca de conhecimento,
perfeição, verdade e compreensão do mundo físico, acima dos sentimentos e
experiências interpessoais. Estas características podem conduzir a
talentos valiosos, mas também a fragilidades no mundo social e na
autoestima. Perante situações sociais e relacionais, podem apresentar
uma postura mais rígida, baseada nas regras, tendendo a ver o mundo a
“preto e branco”, sendo-lhes difícil compreender as perspetivas e
intenções dos outros, compensando a menor capacidade social com
estratégias de raciocínio lógico.
Que desafios nos estudos superiores e carreira?
Quando confrontados com as decisões acerca da escolha da faculdade e
carreira, os jovens adultos com SA muitas vezes mostram dificuldades em
fazer a mudança para um estilo de vida mais independente, em verbalizar o
pensamento, podendo existir dificuldades em interagir no contexto de
trabalhos de grupo. Neste sentido, poderá ser sensato decidir sobre o
número de disciplinas do curso para cada semestre, uma vez que poderão
precisar de mais tempo para se ajustar a este novo estilo de vida.
Há vantagens em que permaneçam em casa, pelo menos no primeiro ano da
universidade, uma vez que os motivos pelos quais podem desistir do curso
estão mais relacionados com problemas de gestão de stress do que com
falta de capacidade intelectual ou compromisso. Porém, alguns adaptam-se
tão bem à vida académica que a investigação e a academia se tornam a
sua carreira para toda a vida.
Que constrangimentos e oportunidades no mundo do trabalho?
Não há nenhuma carreira que seja impossível para alguém com SA. Contudo,
encontrar e manter um trabalho com uma carreira adequada parece não ser
tão fácil como para as pessoas comuns com as mesmas qualificações. Não
obstante a sua capacidade e vontade, enfrentam desvantagens
significativas e alguma falta de compreensão e apoio nos seus contextos
laborais. Não serão tão autoconfiantes durante uma entrevista de
emprego, não lhes é naturalmente fácil ambientarem-se a novos
procedimentos, responder de forma flexível a situações imprevistas ou
comunicar eficazmente.
A tendência para o isolamento social, desconforto e até ansiedade social
podem conduzir a situações de desemprego ou a trabalhos em que são
subutilizadas as suas capacidades. Apresentam assim maior probabilidade
para mudar de emprego mais frequentemente, limitando o seu potencial de
crescimento e desenvolvimento de carreira, contribuindo para o aumento
de stress, estados depressivos e instabilidade financeira.
Porém, os empregadores deverão saber que estas pessoas possuem
qualidades preciosas e muito úteis em diversos contextos. Tipicamente
são de confiança, persistentes, perfecionistas, capazes de identificar
erros facilmente, atentos ao detalhe e com probabilidade de serem
bem-sucedidos na rotina e com expetativas claras. Serão potencialmente
bem-sucedidos em contextos que requerem pensamento visual, processamento
de informação sistemática ou habilidades técnicas precisas. Contudo, é
preciso cuidado para não estereotipar estes interesses e vocações, uma
vez que existem pessoas com SA em todas as profissões.
O colaborador com SA valorizará um feedback regular que confirme o seu
sucesso, as áreas a melhorar e como atingir essa melhoria, podendo
também ser útil apoiá-lo na gestão do tempo e prioridades. Além do
aumento do rendimento disponível, os benefícios de um emprego
bem-sucedido são uma melhor auto estima, desenvolvimento de uma nova
rede social e possibilidade de demonstrar talentos e capacidades.
Como são vividas as relações amorosas?
Sabemos que a interação social e as competências de comunicação, a par
da capacidade para nos pormos no lugar do outro são fatores importantes
para iniciar e manter relações amorosas. Neste sentido,
as dificuldades já referidas poderiam fazer-nos adivinhar que as
pessoas com SA não estabelecem relações amorosas. Contrariamente a essa
expetativa, existem pessoas que iniciam relações de longo prazo, casam e
têm filhos. Aliás tendem a possuir um conjunto de características que
promovem o sucesso de uma relação romântica: confiabilidade,
estabilidade e lealdade.
A maior parte destas pessoas considera as relações amorosas desejáveis;
pelo que algumas permanecem solteiras, não por falta de interesse, mas
porque sentem dificuldades em iniciar e manter uma relação desta
natureza. São relatados medos de não ser capaz de corresponder às
expetativas de um parceiro, não saber como encontrá-lo ou não saber como
uma relação funciona.
Podem ser conotados de arrogantes por não tomar as emoções dos outros em
consideração, e por isso parecerem superiores ou demasiado críticos.
Contudo, atribuir uma intenção assume uma motivação que, por vezes, pode
não existir. Aceitá-los pelo que são, procurando não sentir as suas
ações como ataques pessoais, abrirá espaço para apreciá-los pelas suas
verdadeiras qualidades.
E para os pais, que desafios?
Fonte primária de suporte prático e emocional para estas pessoas, os
pais encaram a prestação de cuidados aos filhos, como algo que faz parte
das suas vidas diárias. Enquanto pais de crianças e jovens podem
mostrar-se bastante resilientes adotando várias estratégias: desde o
aconselhamento médico, à articulação com a escola; apoiando a estruturar
as tarefas de forma rotineira e com pistas visuais tipo esquema;
elogiando e valorizando o esforço na utilização correta das competências
sociais e facilitando hábitos de autonomia. No entanto, à medida que
estes jovens se tornam adultos, estes pais vão envelhecendo,
apresentando maiores vulnerabilidades e podendo preocupá-los o futuro,
quando já não conseguirem proporcionar esse apoio aos filhos. É assim
fundamental contrariar o seu próprio isolamento, criar uma rede de
suporte desde cedo, pedindo ajuda a técnicos, mas também aceitando o
apoio da família e dos amigos.
Quando pedir ajuda? E que apoios disponíveis?
O ideal será um diagnóstico precoce e acompanhamento na infância
(habitualmente realizado por especialistas nas áreas da pediatria,
neurologia pediátrica ou pedopsiquiatria) para redução de problemas
psicológicos secundários como a depressão e ansiedade. Isto porque na
fase adulta são, normalmente, estas questões que os fazem pedir ajuda:
um crescente isolamento social associado à frustração em estabelecer e
manter relações de amizade e amorosas, sentimentos de rejeição, altos
níveis de ansiedade e evitamento.
Embora não exista um tratamento único com resultados a longo prazo, a psicoterapia individual
pode ajudar no autoconhecimento e aceitação, reduzir o nível de dúvida e
autocrítica, apoiando numa melhor tomada de decisão (na escolha da
carreira, emprego ou relações pessoais). Pode ainda ajudar na redução de
stress, no treino da comunicação assertiva, permitindo à pessoa
articular melhor a sua perspetiva e tornar-se mais consciente de como as
suas palavras e ações afetam os pensamentos dos outros. Compreender
fatos importantes da sua vida e lidar com um mundo que nem sempre
entendem, são também benefícios deste apoio. Instituições como a APSA
(Associação Portuguesa de Síndrome de Asperger) promove o apoio e
integração destas pessoas, disponibiliza um conjunto de iniciativas
muito úteis ao nível da educação, mas também da empregabilidade, que
vale a pena conhecer.
Tome nota dos conselhos de Margarida Lavinha Costa, Psicóloga Clínica no Hospital CUF Infante Santo.
Considerada uma perturbação neurodesenvolvimental, o Síndrome de
Asperger (SA) é caracterizado por um comportamento tendencialmente
solitário, associado a dificuldades significativas na interação social,
menor flexibilidade de pensamento e dificuldades na comunicação
não-verbal, além de padrões de comportamentos repetitivos e interesses
restritos. A sua génese está associada a uma disfunção do “cérebro
social” que inclui várias localizações e estruturas afetadas.
Apesar de poder ser considerada uma doença do espectro do autismo,
diferencia-se deste em dois principais aspetos: tipicamente não há
atraso de desenvolvimento da linguagem e as capacidades intelectuais
mantêm-se na média ou acima.
Enquanto condição contínua e presente ao longo da vida, levanta desafios
importantes de funcionamento pessoal e ocupacional, não se constituindo
apenas como uma experiência da infância, tendendo a persistir na idade
adulta. Embora tenham crescido a experienciar o mundo de uma forma
diferente dos seus pares, os sinais muitas vezes só aparecem no adulto,
quando as exigências requerem competências sociais e emocionais mais
sofisticadas ou nos casos em que os sintomas na infância foram moderados
o suficiente, para permanecerem despercebidos pelos cuidadores e
profissionais.
Como funciona o pensamento de alguém com esta síndrome?
As suas prioridades, a perceção do mundo e a forma de pensar são
diferentes. Tipicamente, podem priorizar a busca de conhecimento,
perfeição, verdade e compreensão do mundo físico, acima dos sentimentos e
experiências interpessoais. Estas características podem conduzir a
talentos valiosos, mas também a fragilidades no mundo social e na
autoestima. Perante situações sociais e relacionais, podem apresentar
uma postura mais rígida, baseada nas regras, tendendo a ver o mundo a
“preto e branco”, sendo-lhes difícil compreender as perspetivas e
intenções dos outros, compensando a menor capacidade social com
estratégias de raciocínio lógico.
Que desafios nos estudos superiores e carreira?
Quando confrontados com as decisões acerca da escolha da faculdade e
carreira, os jovens adultos com SA muitas vezes mostram dificuldades em
fazer a mudança para um estilo de vida mais independente, em verbalizar o
pensamento, podendo existir dificuldades em interagir no contexto de
trabalhos de grupo. Neste sentido, poderá ser sensato decidir sobre o
número de disciplinas do curso para cada semestre, uma vez que poderão
precisar de mais tempo para se ajustar a este novo estilo de vida.
Há vantagens em que permaneçam em casa, pelo menos no primeiro ano da
universidade, uma vez que os motivos pelos quais podem desistir do curso
estão mais relacionados com problemas de gestão de stress do que com
falta de capacidade intelectual ou compromisso. Porém, alguns adaptam-se
tão bem à vida académica que a investigação e a academia se tornam a
sua carreira para toda a vida.
Que constrangimentos e oportunidades no mundo do trabalho?
Não há nenhuma carreira que seja impossível para alguém com SA. Contudo,
encontrar e manter um trabalho com uma carreira adequada parece não ser
tão fácil como para as pessoas comuns com as mesmas qualificações. Não
obstante a sua capacidade e vontade, enfrentam desvantagens
significativas e alguma falta de compreensão e apoio nos seus contextos
laborais. Não serão tão autoconfiantes durante uma entrevista de
emprego, não lhes é naturalmente fácil ambientarem-se a novos
procedimentos, responder de forma flexível a situações imprevistas ou
comunicar eficazmente.
A tendência para o isolamento social, desconforto e até ansiedade social
podem conduzir a situações de desemprego ou a trabalhos em que são
subutilizadas as suas capacidades. Apresentam assim maior probabilidade
para mudar de emprego mais frequentemente, limitando o seu potencial de
crescimento e desenvolvimento de carreira, contribuindo para o aumento
de stress, estados depressivos e instabilidade financeira.
Porém, os empregadores deverão saber que estas pessoas possuem
qualidades preciosas e muito úteis em diversos contextos. Tipicamente
são de confiança, persistentes, perfecionistas, capazes de identificar
erros facilmente, atentos ao detalhe e com probabilidade de serem
bem-sucedidos na rotina e com expetativas claras. Serão potencialmente
bem-sucedidos em contextos que requerem pensamento visual, processamento
de informação sistemática ou habilidades técnicas precisas. Contudo, é
preciso cuidado para não estereotipar estes interesses e vocações, uma
vez que existem pessoas com SA em todas as profissões.
O colaborador com SA valorizará um feedback regular que confirme o seu
sucesso, as áreas a melhorar e como atingir essa melhoria, podendo
também ser útil apoiá-lo na gestão do tempo e prioridades. Além do
aumento do rendimento disponível, os benefícios de um emprego
bem-sucedido são uma melhor auto estima, desenvolvimento de uma nova
rede social e possibilidade de demonstrar talentos e capacidades.
Como são vividas as relações amorosas?
Sabemos que a interação social e as competências de comunicação, a par
da capacidade para nos pormos no lugar do outro são fatores importantes
para iniciar e manter relações amorosas. Neste sentido,
as dificuldades já referidas poderiam fazer-nos adivinhar que as
pessoas com SA não estabelecem relações amorosas. Contrariamente a essa
expetativa, existem pessoas que iniciam relações de longo prazo, casam e
têm filhos. Aliás tendem a possuir um conjunto de características que
promovem o sucesso de uma relação romântica: confiabilidade,
estabilidade e lealdade.
A maior parte destas pessoas considera as relações amorosas desejáveis;
pelo que algumas permanecem solteiras, não por falta de interesse, mas
porque sentem dificuldades em iniciar e manter uma relação desta
natureza. São relatados medos de não ser capaz de corresponder às
expetativas de um parceiro, não saber como encontrá-lo ou não saber como
uma relação funciona.
Podem ser conotados de arrogantes por não tomar as emoções dos outros em
consideração, e por isso parecerem superiores ou demasiado críticos.
Contudo, atribuir uma intenção assume uma motivação que, por vezes, pode
não existir. Aceitá-los pelo que são, procurando não sentir as suas
ações como ataques pessoais, abrirá espaço para apreciá-los pelas suas
verdadeiras qualidades.
E para os pais, que desafios?
Fonte primária de suporte prático e emocional para estas pessoas, os
pais encaram a prestação de cuidados aos filhos, como algo que faz parte
das suas vidas diárias. Enquanto pais de crianças e jovens podem
mostrar-se bastante resilientes adotando várias estratégias: desde o
aconselhamento médico, à articulação com a escola; apoiando a estruturar
as tarefas de forma rotineira e com pistas visuais tipo esquema;
elogiando e valorizando o esforço na utilização correta das competências
sociais e facilitando hábitos de autonomia. No entanto, à medida que
estes jovens se tornam adultos, estes pais vão envelhecendo,
apresentando maiores vulnerabilidades e podendo preocupá-los o futuro,
quando já não conseguirem proporcionar esse apoio aos filhos. É assim
fundamental contrariar o seu próprio isolamento, criar uma rede de
suporte desde cedo, pedindo ajuda a técnicos, mas também aceitando o
apoio da família e dos amigos.
Quando pedir ajuda? E que apoios disponíveis?
O ideal será um diagnóstico precoce e acompanhamento na infância
(habitualmente realizado por especialistas nas áreas da pediatria,
neurologia pediátrica ou pedopsiquiatria) para redução de problemas
psicológicos secundários como a depressão e ansiedade. Isto porque na
fase adulta são, normalmente, estas questões que os fazem pedir ajuda:
um crescente isolamento social associado à frustração em estabelecer e
manter relações de amizade e amorosas, sentimentos de rejeição, altos
níveis de ansiedade e evitamento.
Embora não exista um tratamento único com resultados a longo prazo, a psicoterapia individual
pode ajudar no autoconhecimento e aceitação, reduzir o nível de dúvida e
autocrítica, apoiando numa melhor tomada de decisão (na escolha da
carreira, emprego ou relações pessoais). Pode ainda ajudar na redução de
stress, no treino da comunicação assertiva, permitindo à pessoa
articular melhor a sua perspetiva e tornar-se mais consciente de como as
suas palavras e ações afetam os pensamentos dos outros. Compreender
fatos importantes da sua vida e lidar com um mundo que nem sempre
entendem, são também benefícios deste apoio. Instituições como a APSA
(Associação Portuguesa de Síndrome de Asperger) promove o apoio e
integração destas pessoas, disponibiliza um conjunto de iniciativas
muito úteis ao nível da educação, mas também da empregabilidade, que
vale a pena conhecer.
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